Sascha Camilli

Vilda Magazine - tradução Modefica

A Pressão Social Para Viver Uma Vida Não Saudável

Algumas semanas atrás, eu fui almoçar com um casal de amigos em um gostoso café em Londres. Os dois pediram hambúrguer, enquanto eu preferi uma enorme salada com falafel, couscous, hummus, tomate seco e outras maravilhas culinárias. Parecia o paraíso em forma de comida e estava delicioso. O almoço estava sendo para mim um prazer luxuoso e eu estava me deliciando – até que um dos meus amigos, se jogando em seu burguer, olhou para o meu prato e disse “pobre de você Sascha, sempre comendo saladas. Você nunca escolhe algo recompensador”.

De certa maneira eu fiquei perplexa. Eu estava realmente adorando meu almoço – até ele fazer esse comentário impróprio. Meu prato estava incrível e eu estava me recompensando sim, com uma refeição maravilhosa que eu não tive que cozinhar ou limpar tudo depois, enquanto sentada em um ótimo restaurante com pessoas que eu gosto – na minha mente, essa é a definição de algo (re)compensador. Mas já que meu prato poderia ser chamado de “saudável”, sem nenhum ingrediente animal, meu amigo, como muitos outros, achou óbvio que, de alguma maneira, minha escolha do que pedir foi feita mais por necessidade do que por prazer.

Num tempo em que a ortorexia nervosa está em pauta e o vício de ir à academia virou um problema, eu estou aqui para acender uma luz exatamente na questão oposta – a pressão social de constantemente fazer escolhas não saudáveis. O conceito de se (re)compensar costumava definir se permitir algo luxuoso, fora da sua rotina, uma satisfação ímpar. Até então, um delicioso tomate-seco. Mas em algum momento durante o processo, a palavra “recompensa” começou a significar, pelo menos no meu ciclo social, “algo que não é bom para você, só pelo próprio fato de não ser”.  Um cigarro é uma recompensa, seis copos de vinho são uma recompensa – porque um copo é algo rotineiro – e resumidamente qualquer comida que é considerada não saudável, independente do fato de ser gostosa ou não, é uma recompensa.  Todos adoram doces certos? Que tipo de pessoa não adora entupir suas artérias e apodrecer os dentes com inúmeras balas gelatinosas e biscoitos de manteiga cheios de químicos? E se você prefere uma fruta fresca ao invés de empoeiradas balas de goma, certamente existe algo de errado com você.

 
Não se recompense com comida, você não é um cachorro
 

Não entenda errado, eu adoro bolos de chocolate cremosos, batatas fritas pingando óleo e cupcakes rosas dignos de uma bela foto no Instagram mais do que todo mundo (contanto que eles sejam veganos).  Apenas não sinto tanta necessidade deles, e em ocasiões em que eu me deparo com “recompensas” não-veganas eu me sinto perfeitamente bem em não comê-las. Me chame de extrema (e algumas pessoas me chamam), mas eu prefiro ficar com um bolo triplo de chocolate uma vez por mês do que me “recompensar” a cada dois dias com salgadinhos de buteco. Afinal de contas, uma recompensa não é uma recompensa se a temos diariamente.

Em 2013, Anne Hathaway e Jennifer Lawrence ganharam merecidamente o Oscar, o que, por alguma razão, estimulou o mundo a compará-las em todos os quesitos possíveis (porque na nossa sociedade, mulheres são comparadas umas com as outras por qualquer motivo – você não vê Daniel Day-Lewis sendo comparado com Christoph Waltz só porque ambos ganharam o Oscar aquele ano), com a Jennifer sempre aparecendo como a mais engraçada e a que todos querem como amiga, enquanto Anne foi retratada como metida e a princesa-certinha. Alguns sites chegaram a adivinhar detalhes ainda mais profundos: enquanto Jennifer regularmente se joga em pizza, Anne é vegan. E todos nós preferimos ser amigos da louca por pizza e de quem não está nem ai com sua alimentação do que da pessoa mais saudável – porque, afinal de contas, comer hambúrgueres todos os dias é uma coisa normal que todas as garotas fazem, tornando Jen uma de nós mortais.

Mas o fato é que esta forma de pensamento superficial e unilateral tende a desintegrar-se com os seguintes três fatos óbvios: 1. Jennifer Lawrence provavelmente não come pizza diariamente. Ela se exercita como a maioria das atrizes, e a probabilidade é que ela coma de maneira bem saudável. 2. Ser vegano não garante um estilo de vida saudável. Você pode viver de batata frita, cerveja e cookies e ainda ser vegan. 3. Nenhum desses hábitos alimentares, mesmo quando levados ao extremo, podem estereotipar a personalidade individual de cada um. Se tem uma presunção da qual eu estou cansada é de que as pessoas que tendem a rejeitar opções não saudáveis, são pessoas chatas.  Se você precisa de sete cervejas para liberar o seu lado sociável e engraçado, certamente não sou eu a chata.

Comer é uma questão social, e é uma teoria pessoal que quando escolhemos comidas saudáveis, as pessoas à nossa volta se sentem atacadas. Nós os fazemos sentir mal por escolher aquele hambúrguer, aquele doce ou aquela Coca-Cola. É o mesmo com o veganismo – as pessoas ficam defensivas porque no fundo elas sabem que a indústria é cruel, e nossas escolhas as lembram disso, chegando ao ponto delas aparecerem com desculpas do tipo “plantas também têm sentimentos” para que elas se sintam melhor com suas próprias escolhas. Meu ponto é: eu sou tudo menos perfeita – e não estou atacando ninguém. Tenho certeza que seu bolo está uma delícia, mas tudo que eu quero é comer a minha maça em paz.

Não julgue minhas escolhas se você não entende minhas razões

Sempre houve mais foco no gosto da comida do que no que ela realmente faz ao seu corpo. Exceto quando mulheres e dietas estão envolvidas – foi como chegamos à conclusão de que porque a Coca Zero tem zero calorias e uma banana tem 89, é de alguma maneira melhor tomar uma coca do que comer uma banana. O que parece ser a “grande novidade” do momento é que ser saudável nem sempre tem a ver com menos calorias, mas fazer escolhas saudáveis só porque te faz sentir melhor e pode ser um investimento para o seu futuro é menos aceitável do que “estar bem” para caber no seu biquíni. Como a perda de peso é vista como um objetivo comum que muitas mulheres lutam para alcançar, sacrificar seu prazer por um corpo lindo é algo que ganha nossa compaixão e entendimento.

Depois tem toda aquela questão dos produtos químicos. Eu vi mulheres que admiro pelo seu posicionamento feminista fervorosamente reclamando da pressão social para as mulheres usarem maquiagem, rejeitando shampoo e saindo de cara lavada. Por que nós deveríamos nos encher de produtos químicos para sermos aceitas pela sociedade, elas perguntam. Eu adoro maquiagem e sei de muitas marcas que minimizam efetivamente o uso de ingredientes sintéticos em suas fórmulas, mas concordo que essa é uma escolha pessoal e que não deve ser forçada sobre nós. Eu basearia essa relutância em outros fatores além de produtos químicos, mas isso é apenas minha opinião. De qualquer maneira, quando a mesma mulher defende o direito de rejeitar a “ditadura da beleza” postando selfies com enormes sacos de salgadinhos ou potes de sorvete, uma parte de mim questiona como elas se sentem colocando esses químicos direto para dentro do seu corpo. Se você é cautelosa para colocar ingredientes artificiais no seu rosto, certamente não evitaria ingeri-los?

A grande questão é que ninguém deveria ser criticado por aquilo que escolhe comer, mas se em algum momento formos questionar opções alimentares, não deveriam ser trazidas em pauta aquelas que são prejudiciais à saúde, ao meio ambiente, que alimentam a epidemia da obesidade e matam milhares de animais de forma repugnante? Apenas dizendo.

***

Texto escrito por Sascha Camilli para Vilda Magazine e traduzido com autorização para o Modefica. Sascha é fundadora e editora da Vilda Magazine, é jornalista internacional de moda e especialista em Relações Públicas de ONGs e projetos sociais com uma paixão por ioga e viagens. Nasceu em Moscou e cresceu em Estocolmo, ela também morou em Los Angeles, Milão, Florença e Londres antes de chegar à sua cidade atual, Brighton, UK.

 

Imagem: Acervo Modefica
Fonte:
https://www.modefica.com.br/a-pressao-social-para-viver-uma-vida-nao-saudavel-2/

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