Professor, escritor e amante da filosofia.
“O ambiente te influencia, e muito”
Seguindo a linha de Benjamin Hardy, no seu Força de vontade não funciona, o Alex desfaz o tão difundido mito do “esforço”. O foco sai do Sujeito (perceba o S maiúsculo) onipotente que tudo pode com sua Vontade (onde será que já ouvi isso antes?), e passa para o Ambiente. Esse lugarzinho aí, onde o Sujeito está. Sejamos bem diretos: somos produtos do nosso meio. Soa um pouco determinista, não? Mas garanto que não é. Porque nós também podemos ser os arquitetos do nosso ambiente. E complementando o que disse o Alex, eu evocaria algumas outras figuras: podemos ser também climatizadores do nosso ar, aromatizadores do tempo, meteorologistas das nossas atmosferas.
Todas essas funções envolvem uma espécie de higiene – entendida aqui não como padrão de limpeza, o conjunto de normas que separa o limpo do sujo – mas como um certo cuidado com a disposição e interação dos elementos que compõem um espaço comum, tendo em vista a saúde dos organismos.
Poderíamos passar horas refletindo sobre cada um desses elementos. Mas eu gostaria de focar em apenas um: a higiene dos afetos. Quando eu digo “aprendizagem”, quais são os afetos que estão amarrados nessa palavra?
Recentemente, fiz uma “coletânea” das experiências de procrastinação de amigas e amigos. A pergunta era simples: o que sentiam quando procrastinavam, exatamente? Que tipo de diálogo mental tinham consigo mesmos?
Aqui alguns comentários que mais me intrigaram (vou deixar sem nomes, claro). Os grifos são meus:
“Refletindo, percebi que minha disposição a realizar as tarefas está claramente ligada ao medo. Por exemplo: se tenho algum compromisso de trabalho com data estipulada, só o cumpro dentro do prazo ao pesar as consequências. Se tenho um artigo para enviar à minha orientadora, toda sua escrita será permeada pela ansiedade de levar bronca. E por aí vai. O medo das consequências impulsiona o pontapé inicial (e todo o resto, se eu parar pra pensar)”
“Era uma bosta, parecia que eu não tinha força pra fazer nada. Eu sentia uma sensação zoada, desanimadora. Eu tinha a impressão de que coisas simples se tornavam difíceis. E novamente, adiava a tarefa até ela se tornar inadiável […] Enfim, só agia na pressão extrema. E quase todo sentimento de culpa eu encobria […] E ficava nesse ciclo”
“Aí nesse tempo fiquei futucando coisas aleatórias em rede social, coisas que eu quero comprar fazendo planos futuros […] querer fazer tudo ao mesmo tempo […] e junto com isso uma ansiedade bem bizarra. Em termos de corpo, acho que muita trava no maxilar, tipo um bruxismo e muita tensão na cervical, também. E muita autoexigência, eu acho”
O que podemos perceber nesses relatos de experiência? Com que afetos está associada a aprendizagem (aqui, mais uma das ‘tarefas’ a serem procrastinadas)? Isso é algo que eu já senti muito, também. Basicamente: se ninguém me força, eu não faço. Se não houver risco de ser punido, constrangido ou humilhado, eu não tenho forças para estudar. Me coloco em movimento apenas depois de me apresentar uma imagem futura negativa. O que quero destacar aqui não é a necessidade de recorrer à ajuda externa, mas a condição de que essa “ajuda” envolva um certo tipo de violência – um ferir-me, um castigar-me, um fazer-me dano. Poderia dizer – e sem nenhum exagero – que nossa relação com a aprendizagem é predominantemente masoquista.
O medo, sendo o “pontapé inicial” (como descrito muito bem em um dos relatos) da aprendizagem, nos obriga a sermos aprendizes dead line – o que aprendo/faço é em função de prazos, e que sempre envolvem uma espécie de “grande punição” caso não faça. Sem a punição, sem correr um grande risco de me dar mal (para não usar palavra pior), não consigo impulsionar-me a fazer o que quer que seja (ainda que “eu” queira).
Vou parar por aqui. Creio que esse “mergulho inicial” já nos permite ver a dimensão do problema. O texto do Alex, penso, nos leva necessariamente a uma profunda investigação da nossa cultura de aprendizagem.
Penso ser promissor também investigar a relação desse sentimento partilhado com o autoritarismo. Mas isso fica para uma próxima.
Ah! E, por fim, o convite do coletor: quem também tiver experiências de procrastinação em relação à aprendizagem ou quaisquer tarefas, e quiser compartilhar, tô aceitando! Para mim, é um prazer e um exercício de pesquisa coletiva.
Até mais!
Link do minicurso “A Autodisciplina na Aprendizagem”: https://alexbretas.com/autodisciplina
Fonte: https://www.thecopyleftist.com/posts/autodisciplina-os-afetos-do-aprender
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