Busca pelo crescimento coloca a humanidade em uma rota suicida, diz economista-ecologista francês
Francês é o novo expoente do movimento que prega decrescimento econômico para frear mudanças climáticas
A economia virou uma arma de destruição em massa cuja violência, lenta e difusa, deve-se, não à sua existência, mas ao objetivo central que há tempos a impulsiona: um crescimento sem fim.
É o que afirma o economista e ecologista francês Timothée Parrique, 33, novo expoente de um movimento que surgiu na França nos anos 1970, que ataca a primazia do PIB e aponta para a ideia de decrescimento econômico. Para Parrique, a busca pelo crescimento econômico em regiões ricas do mundo está colocando a humanidade numa rota suicida, “um desastre que já é sentido por populações vulneráveis”, afirma à Folha.
Encampado pela geração clima, sua versão atual critica a ideia de crescimento sustentável e prega a redução do crescimento de países ricos —aqueles que mais produzem, consomem e poluem— diante de um planeta em plena turbulência climática.
Em seu livro, “Ralentir ou périr: L’économie de la décroissance” (Desacelerar ou perecer: A economia do decrescimento, em tradução livre), lançado no final do ano passado, Parrique decreta que a economia verde, na qual as potências econômicas globais investem bilhões, é uma falácia.
Segundo o economista, o chamado “crescimento verde” tem demonstrado ser incapaz de dissociar a produção e o consumo de bens e serviços de impactos ambientais importantes em um planeta já muito desgastado.
“O decrescimento descreve uma redução temporária da produção e do consumo em regiões ricas do mundo, planejada democraticamente para diminuir as pressões ambientais de forma equitativa e com o objetivo de melhorar o bem-estar”, afirma em entrevista por email.
“É como uma dieta macroeconômica para estabilizar o metabolismo das economias de alta renda em uma escala que possa ser sustentável. Isso porque, da mesma forma que o motor de um carro não pode ser maior do que o próprio carro, uma economia não pode ter um tamanho maior do que seus ecossistemas de apoio”, diz.
O destino dessa dieta, afirma, é o chamado pós-crescimento, uma espécie de economia do bem-estar global.
O livro é baseado na tese de doutorado de Parrique, “A economia política do decrescimento”, que teve dezenas de milhares de downloads desde que foi publicada, em 2019, em uma plataforma acadêmica da França, e atraiu a atenção de editores.
O livro rendeu a este economista, ecologista e surfista a classificação de ingênuo, mas também de visionário, convites para palestras em gigantes da economia francesa, como a Airbus e a Saint-Gobain, e o apelido de “Fred Mercury do decrescimento” por causa do bigode que lembra o do líder da banda Queen.
Em poucos meses, o livro se esgotou e já está em segunda edição, o que reflete uma França cada vez mais impactada pelas ondas de calor, enchentes e secas que se intensificaram a partir do verão de 2022 e que ressurgem, ainda com mais força, em 2023.
Esse sentimento Parrique sintetiza em uma frase: “O colapso ecológico não é uma crise, é uma surra.”
Seu livro sugere que a humanidade tem duas opções: desacelerar o crescimento econômico ou sucumbir. Estamos nessa encruzilhada? A busca pelo crescimento econômico em regiões ricas do mundo está colocando a humanidade numa rota suicida, um desastre que já é sentido por populações vulneráveis, cujo sustento é afetado pelo colapso ecológico. A tese principal do meu livro é de que não conseguiremos tornar o crescimento verde. A escolha, portanto, é: ou o decrescimento hoje ou o colapso amanhã. Ou reservamos um tempo para planejar uma transição suave a partir de agora ou esperamos ser confrontados com ondas de calor, escassez de água, colapso da biodiversidade etc., e a série de distúrbios sociais que isso provocará.
Por que não será possível tornar o crescimento verde? É impossível produzir qualquer coisa sem energia e materiais. Essa é uma verdade física simples e contrária a muitas teorias econômicas que supõem que o progresso tecnológico pode dissociar completamente a produção das pressões ambientais. O trabalho que realizei sobre esse tópico, desde a publicação de “Decoupling debunked” [Dissociação desmascarada, em tradução livre do inglês], em 2019, é claro: os países de alta renda não conseguiram tornar seu crescimento “verde” em nenhuma definição significativa do termo.
Como assim? Para tornar o crescimento econômico realmente sustentável, seria preciso dissociar totalmente a produção e o consumo de todas as pressões ambientais –não apenas do carbono–, onde quer que elas ocorram e num ritmo suficientemente rápido para evitar o colapso ecológico, levando em conta metas baseadas em ciência. E seria preciso manter essa dissociação ao longo do tempo para evitar uma reacoplagem. Esse crescimento genuinamente verde nunca foi alcançado em nenhum lugar da Terra. E não vi nenhuma evidência convincente mostrando que poderia ser alcançado.
Como explicar então que se fale tanto em economia verde? O discurso do crescimento verde se tornou uma forma macroeconômica de greenwashing [expressão em inglês que consiste em maquiar ações e resultados para que pareçam ser mais sustentáveis]. Assim como no típico greenwashing empresarial, apontar para uma redução insignificante de um único indicador ambiental e chamá-lo de “crescimento verde” é enganoso. À medida que os ecossistemas racham em uma velocidade sem precedentes na história, estamos perdendo tempo precioso argumentando que talvez, um dia, a dissociação possa acontecer quando o sistema deveria ser radicalmente transformado.
Parte dos cortes nas emissões que estamos testemunhando atualmente pode ser explicada por uma desaceleração econômica. E isso é paradoxal: esperamos que um crescimento econômico mais rápido acelere a dissociação, embora grande parte da dissociação historicamente alcançada tenha ocorrido por causa de um crescimento mais lento. Uma coisa é certa: o crescimento do PIB dificulta a redução das emissões em comparação com um cenário de crescimento negativo ou de ausência de crescimento.
Qual é a diferença entre decrescimento e recessão? Uma recessão é uma redução no PIB, que acontece acidentalmente, muitas vezes com resultados sociais indesejáveis, como desemprego, austeridade e pobreza. O decrescimento, por outro lado, é uma redução planejada, seletiva e equitativa das atividades econômicas. Associar o decrescimento a uma recessão só porque os dois envolvem uma redução do PIB é absurdo. Seria como argumentar que uma amputação e uma dieta são a mesma coisa só porque ambas levam à perda de peso.
Além disso, o próprio conceito de decrescimento surgiu para criticar uma visão economicista do mundo que vê tudo em termos de indicadores monetários. O decrescimento não é a antítese do crescimento, mas sua nêmesis –um conceito cuja razão de ser é destronar um modo de pensar que vê tudo como aumento ou queda no PIB.
Qual é o problema de medir desenvolvimento a partir do PIB? A maior ameaça de uma economia obcecada pelo crescimento é que ela acaba sacrificando a sustentabilidade ecológica e a saúde social no altar do Produto Interno Bruto, um indicador abstrato fundamentalmente mal adaptado para medir a prosperidade. Precisamos reformular completamente o funcionamento das economias já ricas para que elas produzam e consumam menos, que é o decrescimento. Ao mesmo tempo, precisamos fazer a transição para um sistema em que essas economias possam prosperar com níveis muito mais baixos de uso de recursos, que é o pós-crescimento.
O objetivo da economia verde é um bom exemplo dessa obsessão pelo PIB. Por que estamos nos concentrando tanto em tornar o crescimento econômico mais verde? Estamos prospectando na direção errada. Em vez de tentarmos obstinadamente dissociar o PIB dos gases de efeito estufa, deveríamos tentar dissociar o bem-estar das pressões ambientais. Em países de alta renda, onde o PIB per capita perdeu toda a correlação com a qualidade de vida, parece tolice desperdiçar recursos naturais preciosos para produzir mais, enquanto estratégias alternativas baseadas no compartilhamento seriam não apenas mais sustentáveis mas também mais eficazes para elevar os padrões de vida.
Quais são as métricas que deveriam substituir o PIB? Existem muitos indicadores alternativos e qualquer um deles seria melhor do que o PIB. Um exemplo entre muitos: o Wellbeing Budgets, da Nova Zelândia. Trata-se de um painel de 65 indicadores de atividade econômica, bem-estar social e sustentabilidade ecológica, divididos em duas categorias amplas de bem-estar presente e futuro. O desenvolvimento é um processo complexo que não deve ser simplificado em um único número monetário. A expectativa de vida deve ser medida em anos, a disponibilidade de alimentos em calorias, a eletricidade em quilowatts, o número de ciclovias em quilômetros, o aquecimento global em graus, a água doce em litros, a biodiversidade em número de espécies etc.
Você escreveu que “a economia se tornou uma arma de destruição em massa”. Não é exagero? Hoje, para “salvar a economia”, estamos sacrificando o planeta. Estamos preocupados com o impacto que o aquecimento global terá sobre o PIB, mas o que deveria nos preocupar é a degradação da própria habitabilidade do mundo vivo.
Vou ser ainda mais provocativo: o crescimento econômico é um fenômeno imperial. Parte do que está sendo registrado nos países de alta renda como um aumento aparentemente benigno do PIB é, na verdade, uma apropriação injusta e insustentável do tempo de trabalho e dos recursos naturais de todo o planeta.
[O geógrafo britânico] David Harvey chama isso de “acumulação por desapropriação” para nos lembrar que o que rotulamos como “crescimento” é mais parecido com uma reorganização de ativos já existentes. Não sejamos tímidos e falemos até mesmo de “acumulação por contaminação” para reconhecer o rastro tóxico que o crescimento econômico deixa para trás. A situação é a seguinte: a expansão macroeconômica das regiões ricas do mundo age como um vácuo gigante que trata o Sul global e a natureza como um bufê do tipo “coma o quanto puder”.
É justo exigir decrescimento também de países em desenvolvimento? O conceito de “décroissance conviviale” (decrescimento convivial) surgiu na França em 2002 como uma estratégia para a justiça global. A promoção do decrescimento em um país como a França não foi uma luta interesseira pela sobrevivência, mas sim uma tentativa de libertar o Sul global do “modo de vida imperial” das nações ricas e de consumo excessivo.
Sabemos há muito tempo que a maior parte das pressões ambientais é exercida pelos mais ricos. Por exemplo, os 10% mais ricos do mundo geram cerca de metade de todas as emissões do planeta. E sabemos que o impacto do estilo de vida nas regiões ricas do mundo priva os países pobres de seus recursos naturais. É por isso que o decrescimento tem como alvo as nações de alta renda; não se trata de uma receita universal, mas sim de uma dieta macroeconômica para essas poucas nações e classes que vivem acima de seus meios sustentáveis.
A América do Norte e a Europa são responsáveis por metade de todas as emissões desde 1850, o que torna o orçamento de carbono restante bastante pequeno. Preferimos queimar nossos últimos barris de petróleo para atualizar os carros ocidentais para SUVs ou para construir painéis solares, tubulações de água e hospitais no Sul global? Essa lógica se aplica a todos os recursos naturais. Os consumidores ricos comem mais bifes, pegam mais aviões, constroem mais casas etc., mas à custa de menos biodiversidade, água e soberania alimentar em países que precisam desmatar para fornecer matéria-prima barata ao Norte global, além de menos estabilidade climática e menos minerais disponíveis para construir infraestrutura de energia renovável. Em um mundo que ultrapassou seus limites ecológicos, muito em algum lugar significa sistematicamente insuficiência em outro.
Raio-X
Economista e ecologista, Timothée Parrique, 33, é pesquisador na Pesquisador na Universidade de Lund, na Suécia, e autor de “Ralentir ou périr: L’économie de la décroissance” (ed. Seuil), que trata do decrescimento econômico dos países ricos como forma de frear o colapso ecológico do planeta. Ele é autor também do estudo “Decoupling debunked” (Dissociação desmascarada, em tradução livre), que desconstrói a ideia de crescimento sustentável.
Por Fernanda Mena para Folha de São Paulo