Tarik Fraig

Tarik Fraig

professor, escritor e amante da filosofia

Crianças e autonomia – uma reflexão

Há um tempinho comecei a trabalhar também com crianças na aprendizagem de idiomas. Não vou mentir. Deu um friozinho na barriga. “Ai, e agora?” — como se minhas ideias e práticas educativas fossem prestar um exame final.

De muita gente já ouvi que crianças não conseguem ter autonomia na aprendizagem. Falta-lhes disciplina, um modo de pensar que abarque os tempos da aprendizagem, capacidade de autorreflexão, planejamento, etc.

E, de fato, se você for trabalhar com esse tipo de autonomia, talvez você acabe dando com a cara em uma parede.

Foi o que aconteceu comigo. Quando fui perguntar ao meu estudante mirim de 7 anos de idade o que queria aprender, fui surpreendido com um: nada. Esse foi só um caso. Em outros, vinha um silêncio bem cricri, alguns olhares para cima, seguido de um: não sei.

Que tais modos de responder não sejam próprios às crianças, disso sabemos. Já tive essas respostas quando estava trabalhando com adultos. Talvez a diferença esteja na franqueza das crianças. O que um adulto vai tentar falar disfarçadamente, se preocupando mais em se justificar do que com qualquer outra coisa, uma criança vai simplesmente dizer. Assim, na lata. Pá-pum.

Eu tenho o costume de, na primeira “aula”, co-criar um plano de aprendizagem com a pessoa. Pergunto-lhe dos motivos de querer aprender a língua, o que se vê fazendo nela, o que quer aprender, sua experiência passada com aprendizagem de idiomas, seus temas de interesse, estilo musical, etc. Já dá pra ver que esse é um plano por demais “adulto”. As crianças não são tão apegadas a noções de utilidade e objetivos como nós. Não têm uma noção identitária tão forte como nós. Talvez por isso perguntas como “o que deseja aprender” e “no que você se interessa” possam soar como “que tipo de sorvete você quer tomar hoje?”.

Outra coisa: as crianças não estão habituadas à escolha das ações e caminhos da aprendizagem. Não raro uma das primeiras perguntas que me jogam, ao início da “aula”: “que que é pra fazer?”. E, das vezes que eu tentei lhes explicar as diferentes posturas de aprendizagem que estava esperando delas, não fizeram cara de quem entendeu muito bem.

Pelo menos não fingiram que entenderam. O que é muito pior. E, na verdade, essa série de pequenos fracassos me ajudou muito. Descobri uma coisa que já sabia, mas que não havia levado suficientemente a sério.

Autonomia não é coisa de se explicar. É de se viver.

E daí gritou o meu Espinosa interior: comece pelas afecções.

Na prática, isso significou o quê? Abandonar um pouco a postura do mediador-facilitador-acompanhante de aprendizagem e tomar uma postura mais ativa, propositiva, e até — por que não? — diretiva. As propostas que apresentei tinham dois objetivos: 1) favorecer a alegria e 2) fazer experimentar uma pluralidade de modos de se aprender.

Isso significou convidar à já manjada e marcada “aula de inglês” outros modos de expressão que a ela não pertenciam: a risada, o canto, a brincadeira, a imaginação, a aventura, o teatro…

Aos poucos, fui salpicando elementos da aprendizagem autônoma mais “clássica”, digamos: oferecer de três a quatro opções de atividades para escolherem, escolher para si uma ação de aprendizagem a ser desenvolvida na semana, autocorreção, pesquisa, etc. Pouco a pouco, microdoses de autodeterminação.

Saber dosar tornou-se um saber quase indispensável pra mim. Estou indo demais ou de menos? Exagerei? Muito ou pouco? A dosagem certa é o ponto de encontro — difícil de encontrar de primeira, às vezes — entre as suas expectativas do que é aprendizagem e as da/do sua/seu educanda/o.

Bom, ao fim disso tudo, o que eu aprendi?

Que arte e autonomia talvez tenham mais coisas em comum do que o que julgamos até agora. Que a autodeterminação talvez seja apenas um efeito secundário de um processo mais amplo de expansão das possibilidades de composição de um corpo aprendente — que daríamos o nome de autonomia.

Mas isso ainda fica por verificar.

Imagem: COPE OH Cards.
Fonte: https://medium.com/@tarikfraig/crian%C3%A7as-e-autonomia-uma-reflex%C3%A3o-4c38323c4e39

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