Desperdício Alimentar e Crise Climática: Estima-se que 8 a 10% das Emissões Estão Associadas a Alimentos Não Consumidos

O desperdício alimentar é tão significativo para a discussão sobre sustentabilidade quanto a perda de alimentos. Alimentos em decomposição em aterros liberam metano na atmosfera, totalizando 4,4 bilhões de toneladas de dióxido de carbono anualmente.

Reciclagem e plásticos de uso único são frequentemente debatidos na grande mídia no contexto de sustentabilidade ambiental. Enquanto isso, os combustíveis fósseis e a indústria da carne são apontados como fontes de emissões de gases de efeito estufa. O desperdício de alimentos e sua relação com a crise climática parece ter ficado em segundo plano em ambas as discussões e, quando é abordado, é mais dentro da estrutura da moralidade do que do dano ambiental mensurável. Crianças são convencidas a terminar suas refeições com o argumento de que “há crianças morrendo de fome na África”, ou que não deve haver desperdício por causa do custo ambiental de produzir e transportar comida para a mesa. A pegada de carbono do desperdício alimentar está associada a outras indústrias insustentáveis, como embalagens, transporte e agricultura industrial – mas não só.

A diferença entre desperdício e perdas alimentares é que a perda ocorre antes do alimento chegar à mesa do consumidor; em fazendas, armazenamento e transporte. O desperdício, por outro lado, está em nossos lixos. Porém, ainda não há bastante incentivo para coletar dados sobre ele. De acordo com o relatório de 2021 do Índice de Desperdício Alimentar da ONU:

Estima-se que 8 a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa estão associadas a alimentos que não são consumidos (Mbow et al., 2019, p. 200) – e, no entanto, nenhuma das Contribuições Nacionalmente Determinadas para o Acordo de Paris menciona o desperdício alimentar (e apenas 11 mencionam perda de alimentos) (Schulte et al., 2020). (PNUMA, 2021, página 20.)

O desperdício alimentar é tão significativo para a discussão sobre sustentabilidade quanto a perda de alimentos. Alimentos em decomposição em aterros liberam metano na atmosfera, totalizando 4,4 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (GtCO2 eq) anualmente. Isso significa mais de 4 vezes as emissões globais de voos em 2018 (1,04 GtCO2, Our World in Data, 2020), 87% das emissões globais de transporte em rodovias ou 32,6 milhões de carros em emissões de gases de efeito estufa só nos EUA.

Estima-se que 8 a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa estão associadas a alimentos que não são consumidos – e, no entanto, nenhuma das Contribuições Nacionalmente Determinadas para o Acordo de Paris menciona o desperdício alimentar (e apenas 11 mencionam perda de alimentos).

Segundo levantamento da FAO, “a maior pegada de carbono do desperdício ocorre na fase de consumo (37% do total), enquanto o consumo representa apenas 22% do desperdício total de alimentos. Isso ocorre porque um quilo de alimento que é desperdiçado ao longo da cadeia de suprimentos terá uma intensidade de carbono mais alta do que nos estágios anteriores”. E nem todos os alimentos contribuem igualmente para essa pegada. Embora a carne, por exemplo, represente menos de 5% do desperdício total de alimentos, contribui com mais de 20% da pegada. Os vegetais ricos em amido (raízes), por outro lado, têm o efeito inverso, onde representam quase 20% do desperdício total, mas apenas 5% da pegada.

Não é surpreendente que as regiões de alta renda do mundo desperdicem mais alimentos do que as regiões de baixa renda, mesmo que os dados não sejam coletados sistematicamente em alguns países. Em países europeus e nos Estados Unidos, acontecia de supermercados jogarem água sanitária em mercadorias vencidas, levando a França a ser a primeira nação a proibir a prática em 2015, aprovando por unanimidade uma lei destinada a reduzir o desperdício de alimentos. No entanto, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação assumiu, razoavelmente, uma “margem de progresso maior” para os países “em desenvolvimento” sobre o que pode ser alcançado na mitigação do desperdício alimentar até 2030.

Um fotojornalista que acompanhou um movimento na Maré que visou mitigar a insegurança alimentar durante a pandemia, relatou que varejos nessa região do Rio de Janeiro trancavam a comida expirada em grandes contêineres, para evitar que pessoas a consumissem. Mas já no começo da pandemia, esse comportamento mudou.

Devido ao aumento de pessoas pedindo ajuda, os varejos começaram a distribuir a comida prestes a expirar. Diversas pessoas parecem de 3 a 5 dias por semana para pegar leite, derivados e outros produtos perecíveis, e em açougues “restos” de carne, como cabeças e pés de galinha. Pouquíssimas pessoas se sentem confortáveis relatando suas experiências e expondo uma situação já extremamente vulnerável, já que pode chamar a atenção do poder público e causar tensão com a milícia ou o tráfico local, o que dificulta dados demográficos consistentes e precisos. Mesmo assim, esta é uma prática de distribuição de recursos que continuará indefinitivamente na região.

Deveria ser inimaginável escolher o desperdício alimentar em vez de distribuir alimentos gratuitamente e compartilhar recursos de necessidades básicas. Uma mudança na forma como os alimentos são vendidos e consumidos pode combater a insegurança alimentar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa ao mesmo tempo. Poucas mudanças de comportamento necessárias para lidar com as mudanças climáticas sobrepõem a questão da pobreza e da pegada de carbono de forma tão flagrante. Se não temos influência significativa no comportamento da indústria alimentícia corporativa, pelo menos podemos fazer algo no âmbito de nossas próprias cozinhas.

Imagem: Fabio Teixeira (acervo Modefica)
Fonte: Desperdício Alimentar e Crise Climática: Estima-se que 8 a 10% das Emissões Estão Associadas a Alimentos Não Consumidos, texto de Mirna Wabi Sabi

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