Ana Maria Primavesi
Precursora da Agroecologia no Brasil
Ecologia
Todos falam de ecologia e imaginam a conservação de reservas naturais, de algum animal como o mico-leão-dourado, a conservação de uma árvore como o pau-brasil e a manutenção de uma variedade de trigo ou de linho. Enfim, querem conservar algo. E ainda acreditam que isso depende do nosso coração bondoso e talvez de nossa cultura.
Por exemplo, cada vez que chove tem inundação nas cidades e parcialmente também no campo. A população xinga a prefeitura por ela não tomar providências, mas na verdade os culpados são os moradores das cidades que exigem ruas asfaltadas, cimentam os pátios de suas casas e cuidam para que não haja mais lugar onde possam sujar seus sapatos. Exigem também que a prefeitura deixe roçar os gramados dos parques, removendo todo o capim cortado porque acham que fica feio. Assim, a terra sem matéria orgânica compacta e a água da chuva não encontra mais lugar nenhum onde entrar na terra. Aonde deve ir? Escorre. E como não adquiriu ainda o costume de fazer fila como faz o bom brasileiro, escorre tudo numa só vez e por isso há inundação. Se todos tivessem um jardinzinho, se os gramados pudessem ficar com seu capim roçado para adubar a terra que desaparece em dois dias, a água teria onde se infiltrar. Dizem que a água nas cidades é cada vez mais escassa e não se deve lavar as calçadas e carros. Isso adianta o quê?
Também nas hortas quando se plantam enormes canteiros com alface ou brócolis ou beterrabas necessita-se um trato intenso. Herbicidas mantém a terra limpa de qualquer planta nativa. O adubo aplicado cada semana faz as plantas crescerem, a cada dois dias pulveriza-se com veneno para protegê-las de insetos, às vezes todos os dias, assim como irrigam diariamente…É trabalhoso e caro, mas isso é necessário?
Se planta uma área bem plantada, com todas as raízes para baixo e deixa o mato crescer. Pensa-se que se perdeu a cultura, que nem aparece mais de tantas plantas nativas, tanto mato que aparece. E geralmente as pessoas abandonam essas terras porque não acreditam que vão colher algo. E mesmo com 3 meses de seca, sem um pingo de água, não afetou nem o mato nem a cultura. As raízes se misturaram, uma ajudou a outra, os solos em 8 cm de profundidade ainda estão úmidos e a cultura é muito mais bonita que as plantas mais graúdas, do que estas que foram diariamente tratadas. Por quê? É a biodiversidade que possibilita que uma planta entre no espaço da raiz de outra. Em monoculturas não podem fazer isso, porque todos precisam da mesma coisa e por isso defendem seu espaço com venenos violentos contra seus pares.
No sul da Bahia há um agricultor que planta no meio da mata nativa, ou melhor, numa capoeira raleada. Planta milho e feijão, abacaxi e alface, abóboras e rosas e outros mais tudo numa mistura violenta. E cada vez que acrescenta mais alguma cultura, todos crescem melhor ainda. Claro, tem plantas que não se gostam e nem no mato fazem as pazes como girassol e fumo e tomate, ou gergelim e sorgo, ou cebola e feijão, ou erva-doce que não gosta de nenhuma outra hortaliça. Estes é melhor não misturar. Mas mesmo assim, quando no meio do mato não se hostilizam tanto como em monoculturas no campo. E quando se abre a terra encontra-se um emaranhado intenso de raízes onde uma ajuda a outra e a terra é bem fofinha e permeável.
Por isso se necessita das florestas para a captação de água. Mas uma floresta de eucalipto ou pinho que são monoculturas nunca faz o efeito de uma capoeira ou mata nativa.
Plantam-se monoculturas por causa da mecanização e não porque não produzem mais. Atualmente descobriu-se que a proteção do solo já é metade do cainho andado para uma boa produção. Por isso se faz o plantio direto com uma camada grossa de palha ou o adensamento do plantio, de café, milho, algodão, hortaliças e outras. Volta-se a biodiversidade, na qual se protege o solo, sem monocultura mas com biodiversidade: no cacau, onde se plantam agora bananeiras, palmeiras, eritrina e outras árvores leguminosas ao meio, para recuperar as culturas em declínio pavoroso… Também no café o plantio abaixo do mato é cada vez mais comum. Volta-se a biodiversidade porque as culturas produzem mais e têm melhor saúde, e isso porque têm raízes muito melhor desenvolvidas e que conservam melhor o solo e com isso a água.
Pouco a pouco o homem compreende que não pode dominar a natureza mas que tem que obedecer às suas leis, inserindo-se nos ecossistemas. Todas as técnicas que pareciam um avanço eram somente um avanço para a destruição do nosso globo. Por quê? Porque eliminaram os ecossistemas e a biodiversidade e agrediam as leis naturais.
A temperatura é mais amena abaixo de uma árvore, a água é mais abundante abaixo de uma floresta nativa, a chuva é mais mansa e o vento é menos intenso em regiões com florestas e a produção é maior quando se obedecem as leis da natureza, como mostram os asiáticos atuando com seu método SRI onde produzem o dobro e até 4 vezes mais do que a agricultura convencional sem adubo, sem agrotóxicos. Mas tem uma condição: solos vivos e biodiversidade.
Portanto, não é por nossa bondade que se deve manter florestas e a biodiversidade no campo, mas simplesmente porque nossa sobrevivência depende disso.
Ecologia é, assim, a prática da reprodução do que a natureza já faz. Ou a tentativa de se impactar o mínimo possível (porque a agricultura sempre acaba impactando), sempre promovendo mais vida aos ecossistemas.
Imagem: Sem título, Beatriz Logarezzi (@bialogarezzi), 2020.
Fonte: https://anamariaprimavesi.com.br/2019/06/19/ecologia/