Tarik Fraig

Tarik Fraig

Professor, escritor e amante da filosofia.

Nesses tempos de pandemia, parece a escola ter mantido a sua função primordial de manter as crianças ocupadas, só que, agora, sofrendo as penalidades da distância.

“Boa noite. Já que isto aqui é uma rede de ajuda, eu queria saber se, no grupo, há mais alguma mãe surtada, ou se só sou eu mesmo. Porque vou ser muito sincera com vocês. Dever de casa acabou. Acabou a paciência. Acabou a responsabilidade social. Acabou tudo! Já não tou dando conta, não! Tou surtada, entendeu?
As crianças precisam voltar prá escola urgentemente. Por amor de Deus! Estou ficando com ódio! Ódio de cada professor, que me manda link para eu entrar, prá dazer exercício. Não tenho condição de fazer exercício com ninguém. Eu vou dar férias, aqui, prá todo mundo, por conta. Porque, lá na Espanha, já resolveram que esse negócio de homeschooling estressa as mães. A sério! Eu não sou pedagoga! Como é que eu vou fazer, agora, prá cozinhar, prá limpar e ainda fazer homeschooling?”

“Vou comentar e já sei que me vão criticar, mas é o que penso. Repensemos o que é realmente relevante! Neste momento, a nossa preocupação fundamental devia ser o equilíbrio do aluno e não a sobrecarga de tarefas, que o obrigam a estar sentado em frente ao computador a acompanhar aulas online. Não entendo esta necessidade de se enfatizar o pior das práticas, os montes de fichas e testes, em vez de se destacar a janela de oportunidade de processos diferentes e inovadores. É só links, videoaulas, lives. Hoje, ouvi uma pessoa dizer que estava com medo de abrir a geladeira e encontrar uma LIVE lá dentro…”
(transcrição das mensagens de mães recebidas em um grupo de Whatsapp. Tirei de um texto do professor José Pacheco [1])

Os frequentadores de grupos familiares de Whatsapp com certeza já devem estar familiarizados com a grande quantidade de memes retratantes da dificuldade de se conviver com “toda a família” em tempo integral – inclusive, com as crianças. Nesses tempos de pandemia, parece a escola ter mantido a sua função primordial de manter as crianças ocupadas, só que, agora, sofrendo as penalidades da distância. Esses dias, vi a manifestação de uma coordenadora pedagógica no grupo de uma escola, dizendo aos professores que se apressassem para “enviar suas atividades”. Perguntou uma professora: “mas qual o critério que vamos utilizar para fazê-las?”, ao que respondeu a coordenadora:

“Quantidade”. “Não sabemos quanto tempo vão ficar em casa essas crianças, então é melhor pecar pelo excesso”.

O coronavírus fez a educação entrar em crise? Acho difícil. Creio que isso que observamos é apenas a dura exposição do sistema de ensino dominante. A diferença, agora, é que a escola está em casa. Mas calma lá, você poderia dizer: a conversão da maioria das escolas em “fábricas de lições” se explica pela anormalidade da situação! Afinal, quem estaria esperando por essa calamidade mundial? De fato levantaste um bom ponto, leitora, leitor, mas temo que, se quisermos ser um pouquinho mais críticos, estaríamos obrigados a nos perguntar: e o que é que se fazia de diferente antes do vírus? Se a escola responde a uma situação de pandemia sobrecarregando os seus alunos com pilhas de links, lições e tarefas, esforçando-se (quando esforço há) para construir modelos que tornem possível o cumprimento do currículo “à distância”, é porque, de uma certa maneira – estou inclinado a pensar – está adaptando a sua antiga concepção de ensino à situação atual.

O lema dessa pedagogia?

“É preciso ocupá-los”.

O que muitos pais e mães experimentam agora em casa é o que muitas professoras e professores vivenciam todos os dias em seu trabalho. Um pouco antes da crise, escutei na sala dos professores o seguinte comentário de um colega de trabalho: “Esqueci o texto que ia passar hoje em casa. Aproveitei essa coisa de corona, imprimi duas folhas e já dá pra passar umas duas aulas! Deixar essas crianças sem copiar nada? Não dá, tá louco?”.

Duro aceitar, eu sei, mas necessário: na maioria das escolas, pouco importa se as crianças estão se interessando, se estão aprendendo algo de relevante, se estão aprendendo alguma coisa. Contanto que quietas e em seus lugares…

TUDO VALE.

Quem sabe o vírus não possa ajudar o resto da sociedade a perceber que, atualmente, à maioria dos professores é confiada a missão de manter cerca de quarenta crianças trancadas e quietas – e só? Para que os pais possam trabalhar em paz… mas e agora, que o despejo já não é mais possível?

O que fazer numa situação dessas? Essa a pergunta que nos cabe – educadoras, educadores, educadoreas. Para além de pensar a situação atual como “atraso” em nossas vidas, como uma pequena interrupção no curso normal das coisas, por que não a aproveitar para começarmos a nos perguntar algumas coisas básicas? Do tipo: o que estamos arrumando com essa educação?

Peço que perdoe a falta de conteúdo “prático” desse texto. Creio, no entanto, que antes de propor qualquer prática, precisamos minimamente pensar no que está acontecendo. Nos próximos textos, apresentarei alguns materiais/práticas/estratégias que venho acumulando ao longo dos anos, com o objetivo de ajudar a: a) co-organizar processos de aprendizagem significativos; b) desenvolver com as crianças/adolescentes hábitos de autorregulação/autodisciplina; c) aproveitar a situação atual pelo que ela oferece de inusitado e não apenas tentar “compensar” o que falta.

Claro, essa não é uma puxada de orelha cidadã. Ninguém é obrigado a se converter pedagogo por conta de nenhum vírus. No entanto, penso que estamos vivenciando um momento muito singular para simplesmente “deixar passar”.

Por enquanto é só. Críticas/sugestões/conselhos são bem-vindos. Adoraria participar de uma discussão sobre o assunto!

[1] Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (LXII). Link de acesso: https://ecohabitare.com.br/novas-historias-do-tempo-da-velha-escola-lxii/

Imagem: “Buscando conhecimento”, Caio Miranda (@caio_miranda01), 2019.

Fonte: https://www.thecopyleftist.com/posts/conselhos-para-a-educa%C3%A7%C3%A3o-em-tempos-de-pandemia-e-para-depois-parte-i-v%C3%ADrus-e-escolas

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